O governo italiano, liderado pela Primeira-Ministra Giorgia Meloni e com a influência significativa do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Antonio Tajani, anunciou um conjunto de medidas reformulativas chamadas “pacchetto cittadinanza”. Estas medidas visam modificar profundamente as leis de cidadania italiana, restringindo potencialmente o acesso ao direito de cidadania para milhões de descendentes de italianos ao redor do mundo.
Vamos explorar as mudanças propostas, suas consequências para os descendentes italianos e oferecer orientações estratégicas sobre como navegar neste novo cenário.
Contexto do novo decreto
Nos últimos anos, a Itália viu um aumento exponencial nas solicitações de cidadania por descendentes, principalmente da América Latina e dos Estados Unidos. Governos passados já observaram essa tendência, mas foi sob a administração atual que se decidiu tomar medidas severas. Argumenta-se que muitos destes pedidos são impulsionados mais pela conveniência de acessar a União Europeia do que por um vínculo cultural genuíno com a Itália. Para combater a “comercialização do passaporte italiano”, o novo “pacchetto cittadinanza” foi criado, segundo o ministro Tajani, para valorizar o verdadeiro vínculo entre a Itália e seus cidadãos espalhados pelo mundo, buscando também melhorar a eficiência dos serviços consulares ao lidar exclusivamente com casos que demonstram um forte laço com o país.
Detalhes do Pacchetto Cittadinanza
O pacote de cidadania proposto é dividido em três fases distintas:
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Primeira Fase: Restrições ao Jus Sanguinis – Esta fase impõe restrições significativas ao reconhecimento da cidadania pelo jus sanguinis. A partir de 28 de março de 2025, somente filhos e netos de cidadãos italianos nascidos na Itália serão automaticamente elegíveis. Isso marca uma mudança drástica nas políticas de longa data e pretende reduzir drasticamente o número de qualificações através de linhas ancestrais distantes.
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Segunda Fase: Centralização dos Pedidos – Esta medida visa centralizar todos os pedidos de cidadania em um novo órgão sediado em Roma, acabando com a possibilidade de aplicação através dos consulados para residentes no exterior. Este novo sistema pretende padronizar o processo de avaliação e garantir que todos os aplicantes sejam tratados com critérios uniformes e rigorosos.
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Terceira Fase: Vínculo Contínuo com a Itália – A última fase do decreto introduz a exigência de manutenção de um vínculo contínuo com a Itália. Os cidadãos serão obrigados a renovar seu compromisso com o país, demonstrando sua ligação através de atividades como votar em eleições e manter registros atualizados no AIRE, pelo menos uma vez a cada 25 anos.
O que é um decreto-lei na Itália
Na Itália, o decreto-lei (decreto-legge) é um instrumento jurídico de caráter emergencial, utilizado pelo governo para agir rapidamente em situações que exigem resposta imediata, como se fosse uma medida provisória no Brasil. Conforme o Artigo 77 da Constituição Italiana, o governo pode emitir decretos-lei somente em casos de “necessidade e urgência”. Esses decretos têm força de lei a partir do momento em que são publicados, mas possuem um caráter provisório.
Apesar de entrar em vigor imediatamente, o decreto-lei precisa ser convertido em lei pelo Parlamento italiano dentro de 60 dias após sua publicação. Durante esse período, o Parlamento pode:
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Aprovar o decreto sem alterações, convertendo-o efetivamente em lei;
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Modificar o decreto, o que pode alterar substancialmente suas disposições antes de convertê-lo em lei;
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Rejeitar o decreto, caso em que ele perde efeito retroativamente.
Se o Parlamento não agir dentro dos 60 dias, o decreto-lei expira automaticamente, ou seja, ele deixa de ter validade legal.
Questionamentos sobre o uso do decreto-lei para a cidadania italiana
O uso do decreto-lei para alterar as regras sobre cidadania italiana ius sanguinis levanta questões significativas. Primeiramente, a natureza da cidadania, que é um direito fundamental e histórico, geralmente não se enquadra na categoria de “necessidade e urgência” que justificaria o uso de um decreto-lei. Trata-se de uma questão que afeta profundamente a identidade e os direitos de milhões de pessoas, o que normalmente exigiria um debate legislativo mais extenso e considerado.
Além disso, a decisão de aplicar mudanças tão fundamentais à cidadania através de um decreto-lei pode ser vista como uma tentativa de contornar o processo democrático normal. Isso é particularmente problemático porque as mudanças propostas não apenas alteram o acesso à cidadania, mas também têm implicações retroativas, afetando pessoas que podem ter assumido que já possuíam ou tinham direito à cidadania com base em leis anteriores.
A utilização de um decreto-lei para reformar as leis de cidadania italiana levanta importantes questões sobre a adequação deste instrumento para tratar de questões tão significativas e permanentes. Enquanto o governo pode argumentar que as mudanças são necessárias para lidar com desafios contemporâneos, como a gestão de imigração e a segurança nacional, críticos argumentam que tal abordagem mina princípios democráticos e jurídicos fundamentais, incluindo o direito de cidadania que tem profundas raízes históricas e culturais na sociedade italiana.
Texto do decreto
Veja abaixo o texto do decreto na íntegra e você também pode acessá-lo clicando aqui:
1. Alla legge 5 febbraio 1992, n. 91, dopo l’articolo 3 è inserito il seguente:
«Art. 3 -bis . — 1. In deroga agli articoli 1, 2, 3, 14 e 20 della presente legge, all’articolo 5 della legge 21 aprile 1983, n. 123, agli articoli 1, 2, 7, 10, 12 e 19 della legge 13 giugno 1912, n. 555, nonché agli articoli 4, 5, 7, 8 e 9
del codice civile approvato con regio decreto 25 giugno 1865, n. 2358, è considerato non avere mai acquistato la cittadinanza italiana chi è nato all’estero anche prima della data di entrata in vigore del presente articolo ed è in possesso di altra cittadinanza, salvo che ricorra una delle seguenti condizioni:
a) lo stato di cittadino dell’interessato è riconosciuto, nel rispetto della normativa applicabile al 27 marzo 2025, a seguito di domanda, corredata della necessaria documentazione, presentata all’ufficio consolare o al sindaco competenti non oltre le 23:59, ora di Roma, della medesima data;
b) lo stato di cittadino dell’interessato è accertato giudizialmente, nel rispetto della normativa applicabile al 27 marzo 2025, a seguito di domanda giudiziale presentata non oltre le 23:59, ora di Roma, della medesima data;
c) un genitore o adottante cittadino è nato in Italia;
d) un genitore o adottante cittadino è stato residente in Italia per almeno due anni continuativi prima della data di nascita o di adozione del figlio;
e) un ascendente cittadino di primo grado dei genitori o degli adottanti cittadini è nato in Italia.»
O Artigo 3-bis foi introduzido na lei existente 91 de 1992 e modifica significativamente as regras de transmissão da cidadania italiana, estipulando que indivíduos nascidos no exterior e já possuidores de outra cidadania não são considerados cidadãos italianos, a não ser que atendam a uma das seguintes condições:
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Reconhecimento via consulado ou na Itália: O status de cidadão italiano do interessado é reconhecido, de acordo com a legislação vigente até 27 de março de 2025, mediante solicitação acompanhada dos documentos necessários, submetida ao consulado ou ao prefeito competente até as 23:59, hora de Roma, dessa mesma data.
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Reconhecimento por via judicial: O status de cidadão italiano do interessado é determinado judicialmente, respeitando a legislação aplicável até 27 de março de 2025, através de uma solicitação judicial apresentada até as 23:59, hora de Roma, dessa mesma data.
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Ascendência direta: Um dos pais ou adotante cidadão italiano nasceu na Itália.
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Residência prolongada: Um dos pais ou adotante cidadão italiano residiu na Itália por pelo menos dois anos contínuos antes do nascimento ou da adoção do filho.
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Ascendência de primeiro grau: Um ascendente direto de primeiro grau dos pais ou adotantes, cidadão italiano, nasceu na Itália.
Implicações para descendentes
As novas regras introduzidas pelo decreto representam um desafio significativo para muitos descendentes de italianos, particularmente aqueles que contavam com o reconhecimento da cidadania baseado em ligações ancestrais mais distantes, como bisavô e trisavô. Essas mudanças podem desqualificar numerosos indivíduos que, sob as leis anteriores, teriam direito à cidadania italiana. Este aspecto do decreto tem gerado considerável preocupação e debate sobre os direitos dos descendentes e a natureza inclusiva da cidadania italiana.
Lembrando que, caso você já tenha reconhecido a sua cidadania ou dado entrada no pedido, você não foi afetado por esse decreto.
Enquanto o decreto estiver válido, nenhum consulado ou comune na Itália aceitará pedidos que não se enquadrem nessas novas regras.
Principais dúvidas sobre o decreto italiano
Separamos aqui as principais dúvidas que as pessoas tem nos questionado sobre esse decreto.
Esse decreto afeta quem já tem a cidadania italiana reconhecida?
Para aqueles que já possuem a cidadania italiana formalmente reconhecida, independentemente se foi através do consulado, diretamente na Itália ou via judicial, não há alterações imediatas e o direito foi mantido.
Esse decreto afeta quem ainda está na fila do consulado ou aguardando o agendamento?
Quem ainda não apresentou a documentação no consulado italiano, pagou a taxa e não teve o pedido protocolado até 27/03/2025, está sujeito às novas regras do decreto. Se foi convocado mas ainda não apresentou os documentos nem pagou a taxa, a convocação não garante a continuação do processo sob as novas regras.
Esse decreto afeta cidadãos italianos que tiveram um filho e precisam registrá-lo?
Caso você não tenha nascido na Itália ou morado na Itália por 2 anos consecutivos antes do nascimento do seu filho, segundo o decreto esse filho não receberá a cidadania italiana de você.
Esse decreto afeta quem é bisneto de italiano, se o avô é vivo?
Sim, mesmo que o seu avô for vivo e reconheça a cidadania italiana dele, como ele não nasceu na Itália, você não poderá receber a cidadania por ele.
Esse decreto afeta quem quer solicitar a cidadania italiana por casamento?
Apesar do ministro Antonio Tajani ter mencionado na coletiva de imprensa que somente quem morasse na Itália poderia solicitar a cidadania italiana por casamento, por enquanto este decreto não apresentou nada sobre esse assunto e permanecem as regras anteriores.
É possível iniciar um novo processo de reconhecimento da cidadania italiana por via administrativa ou judicial após a emissão do decreto?
Para os novos pedidos por via administrativa (no consulado ou diretamente na Itália), os solicitantes devem se enquadrar nas novas regras. Para os processos judiciais, os advogados estão estudando para se readequar ao novo cenário e conseguirem continuar atuando, mesmo se houverem alterações na legislação.
Reações e críticas
O anúncio do decreto está provocando debates acalorados entre comunidades de italianos no exterior, políticos e especialistas no assunto. Críticas focam na severidade das restrições, que muitos consideram serem uma violação dos direitos adquiridos e dos princípios de direito internacional. Há um temor de que estas mudanças marginalizem grande parte da diáspora italiana que se identifica culturalmente com a Itália, apesar de viver no exterior.
Recomendações práticas
Para os afetados pelas novas regulamentações, é crucial buscar aconselhamento de profissionais especializados e manter-se atualizado com as últimas informações legais. Entender essas mudanças e preparar-se adequadamente é mais crucial do que nunca.
Confira também o vídeo que fizemos sobre este assunto em nosso canal no YouTube clicando aqui.
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